Tuesday, June 30, 2015

A suposta incompatibilidade entre ser artista e ser curador

A figura do artista curador, ou seja, o artista que também realiza projetos de curadoria, é alvo de uma polêmica a meu ver exagerada e desnecessária. Parece haver uma polarização sobre o tema, há quem ache normal, e há quem ache execrável. Este segundo grupo chega a questionar a ética dos artistas curadores, sugerindo que eles acessam instituições com projetos curatoriais e o portifolio pessoal embaixo do braço. Nos EUA sinto que existe maior condenação deste perfil de atuação. Lá valorizam muito a especialização e as normas sindicais são duras. No Brasil o mau estar com este profissional é mais brando e na Europa também são melhor tolerados.

Existe até mesmo uma regra não escrita "artista que faz curadoria de uma coletiva não pode se incluir na exposição". Oi? Ele é o curador ou não é? Faz sentido haver um artista proibido? O curador é livre para exercer a curadoria? Não muito... como escrevi no texto da Bienal de Pintura.

O status quo parece sentir ciúmes do artista curador, afinal ele exala o charme e o poder de ambos, é um artista não conformado ao seu lugar de artista, um curador criativo, um artista pensador, coisas incômodas. Ele flexibiliza a cadeia de comando das artes: no escalão mais baixo estão os artistas, depois os marchands e no topo os curadores. O artista curador rompe com essa hierarquia, ele salta a posição do marchand, parece ainda indicar que a figura do curador é desnecessária, como se colocasse o artista no topo da pirâmide (se é que ela existe). Mas ele não quer abalar o sistema, nenhum artista "de carreira" quer, ele está apenas fazendo o seu trabalho e ajudando a expandir e desenvolver o circuito de arte contemporânea.

Existe sim um problema no artista curador, sua carreira fica dispersa em dois segmentos distintos, de modo que poderá não ter a mesma potência de um curador focado, ou de um artista totalmente dedicado. Por outro lado nada garante que optar por uma ou outra atuação vai dar muito retorno profissional e financeiro.

A meu ver o artista curador é simplesmente um profissional que tem interesse e capacidade de realizar ambas as coisas porque seu percurso assim aconteceu. Não é um bicho de sete cabeças. Uma pessoa que faz somente curadoria não é um santo, pode ser um curador muito duvidoso ou excelente. E aquele que só faz arte também pode ser desinteressante ou espetacular. Quem reúne experiência em ambos os lados do balcão pode ter a vantagem de ser mais sensível aos processos que afetam os artistas e as mediações com espaços públicos. A função da arte é libertar e gerar reflexão. Todos podem pintar quadros, curadores também.

Ricardo Ramalho

2 comments:

  1. Reflexão pertinente e que muito me fez lembrar do artista-etc do Basbaum.

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  2. Olá obrigado, o Basbaum é um bom exemplo.

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