Wednesday, December 6, 2017

II Bienal de Pintura - Critérios curatoriais


A função de uma curadoria é definir e conservar um conjunto de obras para um acervo ou exposição e assumir as responsabilidades institucionais decorrentes. O curador goza de plena liberdade para definir essas obras, assim como o artista para fazer seus trabalhos... não é bem assim... ambos estão condicionados pela linguagem e regras do circuito de arte. Curadorias de museus costumam ser "avalizadas pelo conselho": representantes do mercado. O curador precisa atender as expectativas do sistema para se tornar relevante, os artistas idem. São duas profissões muito parecidas, do mesmo lado do balcão, vamos nos ater agora à primeira.

Algumas regras nada consensuais sobre curadorias:

1) Um curador não pode ser artista. Situação mais tolerada na Europa, menos no Brasil e menos ainda nos Estados Unidos. Os mais maldosos dizem que o curador/artista faz reuniões em instituições com seu portfólio embaixo do braço. Não se compreende bem a razão deste preconceito, talvez um certo ciúme de uma pessoa que ataca em duas frentes, a pose de artista no pedestal do curador, ou talvez a falta de foco na
Obra de Adinolfi (foto Paula Andrade)
carreira gere desconfiança sobre sua relevância em ambos os lados. Na Casa de Rembrandt em Amsterdam, vemos que ele tinha um acervo na entrada de sua casa onde expunha e comercializava obras de outros artistas. Ele morreu pobre, mas isto é outra história. O MAM tinha um programa de curadoria de artistas, em sua época mais pujante no início da década passada. Existe uma sub-regra: se o curador for artista, não deve incluir sua própria obra na exposição. O colecionador Miguel Chaia questiona esta regra e recomenda que o artista curador eventualmente inclua a si mesmo.

2) Um curador não pode selecionar obras vindas de seu acervo particular. Isto é visto quase como um escândalo, seria conflito de interesses, porque sua autoridade deve tratar de forma isenta as tendências estéticas mais relevantes. Sabendo que as escolhas inevitavelmente vão valorizar as obras, não convém dar visibilidade ao seu acervo pessoal. Bem, se não pode expor as obras de sua propriedade, pode expor mais discretamente os artistas presentes em sua coleção, que em tese é privativa. Curiosamente ouvi o crítico de arte Alberto Tassinari dizer que não colecionava arte, porque segundo ele seria inconveniente um crítico colecionar, ja que perderia sua plena isenção de análise: muito rigoroso comportamento. Ciente deste dogma, e procurando ampliar a liberdade curatorial, optei por incluir obra de meu acervo pessoal na exposição coletiva Pintura versus Fotografia no Paço das Artes em 2004, cujo catálogo elucida este fato nas fichas técnicas, com total transparência.

3) Um curador deve evitar convidar apenas seus amigos para expor. Ja me acusaram disto. Que curador nunca foi alvo desta alfinetada? Respondi: "Vou convidar quem? Meus inimigos?". O modo mais puro, e irreal, seria convidar nem amigos, nem inimigos, apenas pessoas sem relação pessoal. Só que nas panelas do sistema de arte genuínas amizades são formadas e um curador não pode preterir um relevante amigo, privando o público de sua magnífica obra. O artista Caetano de Almeida fez uma curadoria muito interessante no MAM em 2003 chamada Meus Amigos: ele colocou o maior número possível de artistas, preenchendo todos os espaços da sala e saturando as paredes. 

4) Um curador não deve pegar apenas artistas de galerias. "Vou pegar de onde?" questionou Tadeu Chiarelli certa vez, sinalizando os eventuais constrangimentos de um curador de alto nível em prospectar obras em ateliers. Este ponto é notável, a estreita relação de museus e galerias, ou mesmo de bienais e galerias. Pelo caráter seletivo das curadorias privilegia-se muito artistas de notória reputação, o que invariavelmente são representados por grandes galerias. Exposições de "mapeamento", como o Panorama de Arte do MAM costumam ter 95% de artistas de galeria e uns 5% de independentes para dar um certo frescor à exposição. A primeira Bienal de Pintura foi feita dentro de uma galeria, a Virgílio, em 2015, incluindo alguns artistas da própria. Ou seja, por um lado foi uma curadoria temerária, por outro traduziu fielmente e radicalizou as práticas recorrentes do circuito.

5) Curador não faz venda. Imagina se fizesse. O que eles vendem são textos e exposições inteiras para patrocinadores. Curadores compram arte pelos museus, negociam valores, o que não é muito diferente de vender. Em alguns casos os consultores de coleções particulares, que atuam na prática como curadores de acervos, levam comissões das galerias.

6) Um curador não deve selecionar um parente para exposição. Isto seria muito improvável e suspeito. Imagine escolher uma tia para expor. Por acaso nos corredores da ECA parecia que faziam isto anos atrás, com mostras de quinta categoria. A menos que o herdeiro de um grande artista resolvesse resgatar a obra do falecido pai... realmente muito improvável, filhos de artistas não costumam ter mínimas capacidades curatoriais, e um curador novato não agregaria o valor que o pai mereceria. Uma vez eu fiz uma curadoria chamada O Marchand e a Namorada, na Galeria Favo em 2006, eu era o curador, o marchand, o artista e a outra artista era minha então companheira, a portuguesa Catia Morais.

7) Um curador não deve selecionar sempre os mesmos artistas e as Bienais não devem ficar repetindo os mesmos artistas. Esqueça estas regras. Muitas vezes o artista precisa ser insistentemente veiculado pelos curadores, para que mais pessoas conheçam sua brilhante obra, mesmo que outros artistas permaneçam desconhecidos: não se pode culpar os curadores pela falta de visibilidade de alguns artistas. Cabe aos artistas se projetarem nas carreiras e fazerem frente à feroz concorrência e amenizar o excessivo protagonismo dos curadores.

Obra de Laura Beatriz
8) O curador só pode acolher artistas cuja produção é coerente e reconhecida. Verdade. Observa-se o conjunto da obra para buscar a coerência da linguagem, a maturidade dos conceitos e a pertinência do estilo dentro da arte contemporânea. O reconhecimento do artista é simples de conferir, basta olhar o currículo artístico, documento que atesta o compromisso com o meio. Este compromisso é importante porque assim como artistas querem entrar para a história da arte os curadores também, não se pode escolher um artista aventureiro e ocasional para uma Bienal. O meio da arte é muito competitivo com artistas de qualidade e impressionantes currículos. Uma vez pedi educadamente o CV de um artista, ele se ofendeu. Este tipo de reação queima o filme.

9) Justificar os artistas com argumentos adicionais e atraentes. Uma vez observada a coerência da obra e sua reputação agora é hora de engrossar o caldo com um texto que faça outras considerações procurando encaixar o artista na história da arte ou explicar o que há de interessante em sua obra, dando um ar científico para o texto.

A II Bienal de Pintura acontece dentro do Estaleiro Oficina administrado coincidentemente pelo curador da exposição. Pretendia-se que a II Bienal fosse em um local tão nobre quanto a Galeria Virgilio, por outro lado fizemos o que foi possível, conseguimos manter a regularidade da mostra a cada dois anos, e aproveitamos para desfrutar de um agradável e informal ambiente de oficina. Na próxima edição será convidado um curador independente que ja está sendo contatado.

Sobre os artistas.

Alexandre Ignácio Alves era meu colega de sala da FAAP, portanto somos amigos há mais de 20 anos. Sua técnica é muito refinada e lembra Daniel Senise e Sergio Fingerman. Suas pinturas de tons sóbrios valorizam texturas em composições que sugerem o desgaste do tempo, ou registros de conhecimentos muito antigos. Seu estilo tende ao conservador, o que nos dias de hoje é um diferencial notável.

Dalia Rosenthal trás o toque da fotografia na II Bienal de Pintura, a exposição pretende apresentar uma visão alargada de pintura e contemplar outras técnicas bidimensionais. Suas fotografias são abstratas e ultrapassam o limite do compreensível para um espectador leigo, exigindo assim algum calejamento para a apreciação. É interessante que a arte contemporânea exija algo do observador e não seja apenas de fácil digestão.

Pintura de HD Dimantas
Eduardo Verderame é um artista muito atuante tanto no circuito oficial como no alternativo, estudioso, tem uma famosa série de desenhos de igrejas, instalações, esculturas e composições bidimensionais em vinil adesivo, sob clara influência das técnicas de Regina Silveira, com quem trabalha há mais de 20 anos. Antigo amigo, ja participou de outras curadorias minhas. O espaço da exposição era atelier dele, e antes foi de Túlio Tavares.

Maurício Adinolfi é um conhecido artista representado pela Galeria Pilar, com extensa obra de pinturas e tem feito trabalhos de intervenção artística e antropológica com barcos de pescadores e barqueiros do norte, o que tem muito a ver com o Estaleiro Oficina. Ele foi artista da Galeria Favo, de propriedade do curador, em 2006. A obra exposta é de meu acervo pessoal.

HD Dimantas é um artista multimidia que foi selecionado para a mostra porque na semana de inauguração ele postou uma bonita pintura no Facebook. Como a exposição precisava de mais alguém de fora do acervo particular e já existia uma clara afinidade ideológica ele foi convidado. Suas pinturas são muito interessantes com aguçado estudo de cores, lembrando a fusão cromática impressionista, ou caleidoscópios e alguma influência naif.

Laurabeatriz é minha sogra. Não exatamente... mas eu queria ter escrito isto no texto. Ela é mãe da minha eterna namorada, a arquiteta Maria Rosa Almeida. Sua pintura adota uma técnica de muita leveza, cores vivas, mas com uma suavidade e transparência elegante que lembra Volpi. Mostra temas de paisagens e uma linguagem próxima a da arte naif, cujo estilo popular erudito interessa ao curador. Seu currículo de exposições é excelente e sua obra é coerente. Tecnicamente sua presença na Bienal é inquestionável.

Compositores de RR no Paço Imperial, RJ
Ricardo Ramalho mostra uma das suas séries mais relevantes, trabalhos antigos que ele considera muito atuais e que pretende retomar, da série Compositores, de 20 anos atrás. Tratam-se de quadros de peças giratórias que funcionam como pixels onde o público pode configurar e criar padrões. As obras foram premiadas no Anual da Faap em 1997 participaram de várias exposições, incluindo uma coletiva no Paço Imperial no Rio de Janeiro sob organização do professor Nelson Leirner.

Nesta curadoria temos apenas sete artistas, boa parte deles do acervo pessoal do curador que também é artista: duas regras já quebradas. O curador incluiu trabalhos de sua própria autoria na exposição: terceira regra quebrada. Uma das artistas é "sogra" do curador: quarta regra quebrada. Existem laços de amizade: quinta quebra. O curador pretende vender a maioria das obras: sexta quebra. Não existem argumentos muito elaborados para a seleção destes artistas: sétima. Alguns artistas estavam na Bienal anterior: oitava. Somente uma regra está sendo cumprida: a da coerência e reconhecimento dos artistas, afinal acredito e recomendo cada um deles.

Ricardo Ramalho

Serviço:
II Bienal de Pintura
curadoria Ricardo Ramalho

com
Alexandre Ignácio Alves
Dalia Rosenthal
Eduardo Verderame
HD Dimantas
Maurício Adinolfi
Laurabeatriz
Ricardo Ramalho.

de 16 de Dezembro de 2017 à 16 de Janeiro de 2018
local: Estaleiro Oficina, Rua Tomas Catunda, 7, casa 2, Vila Anglo, São Paulo
visitação de segunda a sexta das 14 às 18 horas ou com hora marcada.
(recesso de final de ano de 28 de dezembro a 8 de janeiro)

Mais informações artistaramalho@gmail.com

1 comment:

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