Monday, March 23, 2015

Como ser um artista cabeça em 5 passos

desenho RR, 1999
Este é um post delicado, como a maioria dos meus posts. Muita calma nesta hora. Será que você é um artista cabeça? Sua reação a este texto pode ser determinante para encontrar a resposta.

Repare uma coisa, via de regra, todo curador é cabeça, todos eles são cultos, escrevem bem, fazem pose de sábios, os curadores são quase guias espirituais. E os galeristas, são cabeças? hmmm... difícil hein? Como uma pessoa que só pensa em vendas pode ser cabeça? Puxa... agora ferrei com todos os vendedores do mundo... Mas existem vendedores cabeças sim, os gurus do marketing e das estratégias! Estes vendedores ajudam a criar seus produtos! Quando o empresário é bem sucedido ele é cabeça. E os críticos de arte são cabeças? Sim, até mais do que os curadores, afinal os curadores sempre têm que se preocupar com aspectos mundanos, logísticos e financeiros de exposições. Todo curador é meio mestre de obras, enquanto o crítico é pura literatura.

Voltando ao artistas. Como ser um artista cabeça?
1) Artista cabeça não vive da sua própria arte. Ops... atingi uma meia dúzia de amigos artistas-que-vivem-da-arte. Não me levem a mal. Eu explico. O artista-que-vive-da-arte tem uma rotina mais austera (caxias), de compromissos, projetos, arquivos, tapinhas nas costas, interesses urgentes, folhas de pagamentos, agenda lotada. Como que esta rotina pode ser cabeça? Onde está aquele estado contemplativo, aquele niilismo, aquele desapego, aquela dose de precariedade? A curtição da arte? Certos artistas são mais empresários do que muitos empresários, mas estes artistas nem sempre são tão cabeças como os empresários tradicionais. Nada contra artista-que-vive-da-arte, muitos são importantes, prósperos e estão bem inseridos na história da arte. Mas veja bem, por acaso Picasso era muito cabeça? Andy Warhol era cabeça? Pollock?

2) Corolário: Todo artista cabeça tem uma fonte de renda que não é sua própria arte. O artista cabeça dá aulas, é montador, é produtor, é assistente, é cozinheiro, é ilustrador, é pesquisador, enfim, ele não consegue conferir uma rotina rígida para sua carreira artística, prefere deslocar a rigidez da vida para outras atividades. É uma solução cômoda, é verdade, arrumar um emprego. O artista-que-vive-da-arte é mais batalhador e merecedor do dinheiro da arte... mas não é cabeça. E o pessoal das artes aplicadas que vivem da arte? Não são cabeças? Bem... considero que as artes aplicadas, por mais lindas que sejam, estão fora do mercado de arte, então é como se estes artistas tivessem um emprego. Então todo artista de artes aplicadas é cabeça, parabéns. (embora corram o risco da marginalidade, sobre isto tratarei mais adiante).

3) O artista cabeça não questiona as regras do sistema de arte. Neste ponto alguns mais vão discordar. E neste ponto o artista-que-vive-da-arte e o artista-cabeça tem algo em comum, eles não perdem tempo tentando tirar leite de pedra. Eles jogam as regras do jogo. O artista que esperneia, que se sente incompreendido, que se sente a frente de seu tempo, que quer ser diferente, que questiona as entranhas do mundo da arte... não é cabeça. Por que não? Porque ele não vai fazer a diferença, não vai contribuir, nem dialogar, será marginalizado num estalar de dedos, e agora vem o próximo ponto.

4) O artista cabeça não assume posição de marginalidade. Ele tem autoestima, ele se considera um precioso componente do sistema. Ele não se sente ameaçado pelas regras do jogo, pelo contrário, ele acredita em proposições internas, ele acredita que pode manipular o sistema e tirar proveito dele. Possuidor de alguma reputação, o artista cabeça acredita que pode ajudar outros artistas a entrarem para o sistema. Ele tem delírios de benfeitor e se considera bem sucedido, embora nem sempre com muita visibilidade.

5) O cabeça estuda, mas não precisa ser erudito. Muitos eruditos não são nada cabeças. Ser cabeça é enxergar além, é compreender o entorno, buscar o desenvolvimento pessoal com uma visão crítica, dar atenção para o próximo. Não é ser perfeito, é buscar humildade e generosidade.

Enfim, artista cabeça sou eu :) Conclusão que me faz lembrar uma de minhas frases favoritas "arte é o que eu faço". Ou seja, "eu me afirmo como artista, eu determino minha arte". Existem muitos tipos de artistas, todos eles tem seu papel no sistema de arte. O artista-que-vive-da-arte será sempre uma referência importante para o artista cabeça, e este um dia poderá se transformar no outro. Assim espero.

Ricardo Ramalho

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